Muitas cidades criam zonas livres de automóveis ou possuem restrições à sua circulação em algumas ruas ou áreas. Geralmente isto é feito nas áreas centrais, mas também nas centralidades dos bairros e em ruas residenciais.
Essas zonas livres de tráfego ou acalmadas podem corresponder a vias exclusivas ou vias preferenciais para pedestres e bicicletas, calçadões, ciclorrotas, ruas para brincar e outras. Promovem um ambiente mais seguro e convidativo para atividades de lazer, cultura e comércio. Priorizam a mobilidade ativa e possuem níveis reduzidos, de ruído e de poluição do ar.
Estas são, ainda, medidas compatíveis com critérios adotados por conceitos de segurança rodoviária para a classificação das vias, como a Visão Zero e a Segurança Sustentável.
Em Curitiba, esta lógica pode ser identificada ao observar o mapa da Lei Municipal N.º 15.551/2019, complementar ao Plano Diretor. O mapa possui diretrizes para a construção do sistema viário. As vias classificadas, representadas por linhas coloridas, delimitam áreas formadas por vias locais (legislação federal) ou normais (legislação municipal), em cinza, que constituem, ou deveriam constituir, zonas de tráfego acalmado.
Quando lançaram a agenda da Segurança Sustentável nos Países Baixos, no começo da década de 1990, uma das primeiras ações foi classificar todo o sistema viário nas cidades. Já havia ruas residenciais para brincar (woonerf), ruas com velocidade reduzida e áreas com restrição à circulação de automóveis. Porém, a criação de zonas 30 km/h, formadas por vias locais, de acesso, foi sistematizada. Também foram, a construção de rotatórias, bem como ciclovias e ciclofaixas, nas ruas com velocidade maior. (WEGMAN & AARTS, 2006)
Apenas a definição dessas áreas já ajudou a reduzir acidentes, porém, os “blocos modernistas genéricos” formados por quadriláteros geométricos, ruas longas e retas, não tiveram uma redução significativa das ocorrências em comparação a áreas com ruas descontínuas e curvas (ibid.). Ou seja, são necessárias medidas para a moderação da velocidade e do volume de tráfego, como gincanas (chicanes), ondulações transversais (lombadas) e filtros modais.
Filtros modais
Acessos bem definidos
Curitiba possui alguns dispositivos de traffic calming e a organização da sua malha viária corresponde ao modelo funcional. Em 2015, a cidade recebeu uma zona 40 km/h no Centro, denominada “Área Calma”. Porém, muitas das vias locais/normais, potenciais para a formação de zonas de tráfego acalmado, possuem várias faixas motorizadas para lidar com grande volume de automóveis e/ou correspondem a binários, em especial na área central, mesmo no perímetro que compreende a zona 40 km/h.
A atual política de popularização, expansão e construção de binários, é algo que vai na contra-mão do conceito das zonas calmas, ao priorizar o fluxo motorizado para cada vez mais ruas, incluindo “vias normais”, em detrimento da rua enquanto espaço de encontro. Um movimento oposto, seguindo o propósito de se devolver o espaço da cidade para as pessoas, destaca-se por medidas recentemente adotadas em Barcelona, Espanha. No ano de 2017, quando foram criadas as superilles ou supermanzanas.
A cidade de Barcelona possui malha viária bastante uniforme, formada por uma série de ruas transversais e paralelas (em grade, plano ortogonal). Assim como em Curitiba, há na cidade muitas vias de mão única com prioridade ao tráfego motorizado.
As superilles — superquadras ou superblocos — funcionam para o tráfego motorizado como uma quadra maior, razoável à escala do automóvel. Nas vias internas de uma superquadra é reforçada a função das vias enquanto espaço de encontro, com prioridade aos meios ativos e apenas para acesso motorizado.
Algo bastante relevante sobre as medidas adotadas em Barcelona, é que elas foram realizadas com materiais e recursos provisórios, de baixo custo, como vasos com plantas, balizadores, mobiliário e tinta:
Embora, muitas transformações urbanas possam estar ligadas ao problema da gentrificação, foi aprovado em Barcelona projeto de lei para a construção das superquadras em toda a cidade, como uma nova política de classificação viária, que prioriza a mobilidade ativa, ou seja, pedestres e bicicletas.
Superquadras em Curitiba
Em Curitiba, a fim de reafirmar e ampliar a Área Calma, a área central pode ser dividida em setores. Deste modo, para circular de um setor para outro utilizando um automóvel motorizado privado, seria necessário utilizar o anel viário.
Possuem livre circulação entre os setores apenas bicicletas, pedestres, transporte público e outros veículos de serviços essenciais. Isto torna a circulação de automóveis particulares apenas relevante para acesso a estas áreas, tornando a área atrativa ao desenvolvimento de meios ativos de transporte e comércio.
Diversas cidades antigas vão sendo adaptadas e novas cidades são construídas desde o princípio, seguindo conceitos como estes. A cidade de Groninga (Groningen), nos Países Baixos, foi uma das pioneiras em aderir à este tipo de configuração em 1977, denominada Plano de Circulação de Tráfego (Verkeerscirculatie plan).
Na Bélgica, uma cidade que aderiu recentemente, em 2017, a um Plano de Circulação de Tráfego (o termo é comum no idioma neerlandês e flamengo) foi Gante (Ghent). Veja vídeo no YouTube. Hoje, diversas cidades, em diversos países, anunciaram planos para tornar o centro de suas cidades livre de automóveis.
Para a cidade de Curitiba, podem ser adotados Planos de Circulação de Tráfego e também o modelo de superquadra de Barcelona, dentre outras formas. A demarcação dessas áreas pode ser obtida pela utilização de recursos de baixo custo, como aqueles adotados pela cidade de Barcelona e também outros exemplos apresentados, sendo alguns modelos já adotados em Curitiba.
Mais de 60% da população de Curitiba utiliza, hoje, o automóvel. Porém, maior parte dos deslocamentos são até 5 km (Pesquisa Origem/Destino, Ippuc). Esta distância é considerada acessível para a bicicleta e pode ser ainda maior, com a disponibilidade de infraestrutura cicloviária de qualidade. Embora, tenha áreas com relevo acidentado, a cidade é predominantemente plana e mesmo nas áreas acidentadas podem ser identificadas rotas relativamente planas (veja Pilarzinho Horizontal)
A cultura de transportes é bastante influenciada, dentre outros fatores, pelo meio físico, que pode ser determinante na decisão modal (Motta, 2017). As medidas apresentadas promovem um ambiente e um transito urbano mais seguros e sustentáveis. Isto aumenta a saúde da cidade, ambientalmente, socialmente e economicamente.